terça-feira, 2 de julho de 2013

A sabedoria milenar dos alimentos


 

Por:  Suzana Camargo - 25/06/2013

          Fonte: Planeta Sustentável          
O manejo da terra sempre trouxe à humanidade um conhecimento profundo do habitat onde ela vive e também forneceu o alimento para a sua sobrevivência. Com a crescente migração do homem das zonas rurais para os centros urbanos, muito desse conhecimento se perdeu.Entretanto, em diversos lugares do mundo, ainda sobrevivem locais onde o conhecimento e as tradições agrícolas e pecuárias foram conservados por gerações e gerações de fazendeiros, pastores ou simples famílias de agricultores. Essas práticas garantiram a manutenção da diversidade da produção de alimentos no planeta. São variedades, por exemplo, de arroz, milho, batata, quinoa, tâmara ou ainda a criação de diferentes raças de bois, ovelhas, cabras e peixes.
Para proteger e dar suporte a estes sistemas agrícolas, em 2002, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) criou o conceito de Globally Important Agricultural Heritage Systems – GIAHS, ou na tradução para o português, Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial. No mundo todo, já são 25 GIAHS reconhecidos pela FAO, recebendo suporte técnico da entidade e recursos para cursos de capacitação, obtenção de certificados e selos de origem para seus produtos.
Com o objetivo de que o conceito de patrimônio agrícola se torne mais conhecido e divulgado internacionalmente, por encomenda da FAO, a jornalista brasileira e conselheira do Planeta Sustentável, Liana John, escreveu o livro Food & Wisdom – Sustaining our future by harvesting diversity, em parceria com Parviz Koohafkan, diretor da entidade. A primeira versão da publicação, em inglês e chinês, acaba de ser lançada em Ishikawa, no Japão.
No Brasil, há mais de 30 anos Liana tem uma renomada carreira nas áreas ambiental e de sustentabilidade. Trabalhou para os principais veículos de comunicação do país. Escreveu reportagens para as revistas Isto É, Veja, Agência Estado e foi editora da revista Terra da Gente.
Liana é uma daquelas pessoas que nunca teve dificuldade em descobrir a vocação. Lembra com carinho dos tempos e das frutas do sítio do avô. Na entrevista abaixo, ela fala sobre a carreira, os desafios de escrever sobre sustentabilidade e o lançamento do novo livro.
Quando começou o seu envolvimento com a questão ambiental?Acho que é uma influência de família mesmo. Meu avô materno, que era dinamarquês, tinha um sítio com vários animais onde eu passava todos os finais de semana quando criança. A gente andava muito a pé e a cavalo juntos. Ele sentava na varanda e sempre comentava como gostava do céu azul do Brasil. Na Dinamarca tudo é muito cinza, com muita neve. Todo domingo quando a gente voltava para casa levava o leite, os ovos e as verduras do sítio. Acho que a vontade de trabalhar com o meio ambiente nasceu nesta época.
E foi difícil começar a trabalhar com isso num tempo em que meio ambiente ainda não era prioridade?Quando eu estava na faculdade na década de 70, uma época de muita discussão política, já tinha vontade de trabalhar com meio ambiente. O pessoal achava isso uma coisa meio alienada, fora de propósito. Mais tarde, lá pelos anos 80, quando estava na Isto É, todas as pautas que eu propunha eram sempre de meio ambiente. E eu já achava que o assunto tinha que ter uma conexão maior com ciência e menor com ativismo político. Mas meio ambiente ainda era uma coisa marginal nas redações. Imagina a minha situação? Eu era uma repórter iniciante e aquilo que eu gostava de escrever era desprezado (risos). Quando a gente tinha reunião de pauta eu sempre me municiava com muitos argumentos para aprovar as pautas.
Quando o tema se tornou importante no Brasil?Trabalhei durante 15 anos na Agência Estado como editora de Meio Ambiente e Ciências. Tive um apoio inestimável do Rodrigo Mesquita, que era também presidente da SOS Mata Atlântica. Nós não trabalhávamos com furos de reportagens, mas escolhíamos temas que achávamos que deveriam ser discutidos pela sociedade. Havia uma discussão sobre o que era necessário ser colocado na mídia, que tipo de informação a sociedade precisava ter sobre o meio ambiente.
Ainda hoje conhecemos pouco da nossa biodiversidade?Sim. Embora o Brasil tenha uma das maiores biodiversidades do planeta, o brasileiro conhece muito mal esta diversidade. Conhecemos muito melhor o elefante e o rinoceronte da África do que a anta e o mão-pelada do Brasil. Enquanto estive editando a revista Terra da Gente, todas as nossas capas foram sobre os animais brasileiros, com algumas poucas exceções em que usamos a flora brasileira. É uma área que gosto muito de cobrir e continuou com a minha ida para o Planeta Sustentável (Liana John escreve o blog Biodiversa).
Como você tomou conhecimento sobre os GIAHS?Parviz Koohafkan, diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, é um amigo de nossa família há muitos anos. Ele é o criador do conceito dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial. Em 2005, quando esteve aqui no Brasil, comentei com Parviz sobre a ideia de escrever um livro sobre o assunto porque ainda havia um desconhecimento sobre os sistemas. Eu já tinha trabalhado com agricultura, meio ambiente e gosto muito de biodiversidade e os GIAHS fazem justamente essa conexão entre a diversidade na produção agrícola, na área entorno dela e as tradições locais.
Liana John fotografa arrozal na China. Acima, à esquerda, a capa do livro Wisdom & Food

Quando você começou a escrever o livro?Em 2009 apresentei um projeto de livro dirigido ao público leigo, cujo objetivo era apresentar um panorama dos sistemas existentes e dos potenciais. No ano seguinte, recebi um telefonema do Parviz me convidando para ir ao Fórum Mundial dos GIAHS na China. Aceitei o convite e na viagem à China já visitei dois GIAHS diferentes, bem distantes um do outro – geralmente são lugares bem distantes dos grandes centros. Em 2012, também conheci outros sistemas agrícolas no Peru e no Chile. Escrevi o livro em inglês e foi incluída na mesma edição uma versão em chinês. Agora estamos estudando novas versões em francês e espanhol e ainda uma em árabe para o continente africano e Oriente Médio.
E há planos para uma versão em português?Ainda não porque não existe um projeto de GIAHS no Brasil. Fiz um levantamento e vi que há uma produção muito interessante de pimenta indígena, a Baniwa, plantada no Alto Rio Negro. Ela tem um significado cultural para a comunidade da região e há mais de 39 variedades da espécie. Mas para se tornar um GIAHS, é necessário que o sistema seja apresentado para a FAO por alguma organização ligada aos produtores.
Qual é a importância de se divulgar a existência dos GIAHS?É uma maneira de dar valor às pessoas que trabalham nesses sistemas e garantir a conservação deles. Esses sistemas tradicionais são importantes para a segurança alimentar da humanidade. As diversas variedades produzidas garantem a produção mundial de nossos alimentos.