sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Por uma cidadania ambiental efetiva - Carmem Carril/ Itamar Olímpio da Silva


Uma nova perspectiva sobre a noção de cidadania vem sendo acompanhada pelo reconhecimento de que as gerações presentes e futuras são portadoras de direitos, como o direito à vida e à qualidade de vida. Esse pensamento é a base da obra de Solange S. Silva-Sánches, intitulada, “Cidadania Ambiental: novos direitos no Brasil”. No livro, a autora  analisa a evolução das propostas do chamado movimento ambientalista e sintetiza suas diversas contribuições na expressão “cidadania ambiental”.
 
Sua reflexão nos proporciona uma compreensão mais ampla da expressão, até porque cidadania, palavra que se deriva de cidade, não indica tão somente a qualidade daquele que habita a cidade. Para além desse fundamento, está na efetividade dessa residência, o direito político que é conferido a cada cidadão para que ele possa participar da vida do país em que reside.  E o exercício da cidadania tem tido na área de meio ambiente um de seus principais desafios. 
 
O Brasil contemporâneo dá mostras de que os movimentos ambientais vêm promovendo um projeto de transformação social. Porém, apesar dessa conscientização ainda há um caminho longo a percorrer, na construção de uma  cidadania ambiental.  É urgente a formulação de políticas públicas ambientais como já acontece em outros países, portadores de projetos em que o exercício da cidadania ambiental confere emancipação aos cidadãos.  
  
Veja-se a questão da mobilidade urbana, na Holanda, um exemplo inspirador para todos aqueles que buscam a efetividade da cidadania ambiental, no relato, a seguir, de Itamar Olímpio da Silva, pesquisador e profissional de Marketing. Itamar residiu naquele país, nos últimos anos e acaba de retornar ao Brasil.
 
As bicicletas na Holanda – uma lição de sustentabilidade!
 
Há muitos exemplos positivos de cidadania ambiental na Holanda. Lá as bicicletas constituem uma lição de sustentabilidade!  As bicicletas representam 27% das viagens feitas dentro do país. Elas se tornaram parte integral do cotidiano das pessoas, sendo que 58% da população faz uso da bicicleta diariamente. Toda a sociedade, incluindo crianças, adultos e idosos utilizam as bicicletas como um dos principais meio de locomoção. O país tem tantas bicicletas quanto habitantes e elas podem ser compradas ou alugadas. A rede  de ciclovias na Holanda é gigantesca, ligando o país todo e as fronteiras com a Bélgica e Alemanha.
 
Mas foi na década de 1970, com o crescimento da preocupação ambiental e com a crise do petróleo, que a bicicleta, foi priorizada como um meio de transporte eficaz, de baixo custo e sustentável. Mas o país não só educou a sociedade sobre os benefícios da bicicleta, como investiu no planejamento viário exclusivo para seu uso com ciclovias, estacionamentos distribuídos pelas cidades, sinalização especial e segurança. Além da integração com as redes ferroviária e metroviária, criando estacionamentos de bicicletas estratégicos, o que facilita a locomoção de ciclistas por todo o país.
 
É bastante interessante observar também como esse meio de transporte aparentemente tão frágil coexiste com os carros, ônibus, taxis e bondes com tanta harmonia!  É uma mistura de respeito ao ambiente, e aos seus cidadãos, assim com uma mentalidade aberta e receptiva a mudanças e desafios. Não foi fácil chegar aos patamares exemplares que o país atingiu hoje; também não foi da noite para o dia, mas com determinação, organização e foco, do governo e da sociedade. A Holanda continua dando uma lição de mobilidade sustentável diariamente! 
 
Outro dia eu fui ao supermercado e no caixa, decidi comprar uma sacola retornável. Ela era verde, bonita com uma foto de uma onça e de uma floresta de fundo com o seguinte logo “Reutilizar é amar”. Então eu pensei: será que um dia eu poderei pedalar uma bicicleta com o logo ”pedalar é amar” e fazer isso com segurança? E o mais importante, será que este logo estará também na mente das pessoas e da sociedade?
 
Bibliografia:
Vieira, Liszt e Bredariol,Celso.Cidadania e política ambiental. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. 
Silva-Sánchez, Solange, S. Cidadania ambiental: Novos direitos no Brasil. São Paulo: Humanitas/Annablume, 2000.

Carmem Carril, pesquisadora, jornalista, e professora em cursos de Graduação e Pós-Graduação. É Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, Pós-Graduada em Propaganda pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero. É escritora e autora dos livros: Cultura Tecnológica Sustentável: Estudo de Caso do Projeto Cognitus na Petrobras”. “A alma da Marca Petrobras”, “Qual a importância da marca na sociedade contemporânea?”.Criadora do Blog Sociedade e Sustentabilidade. 
 
Itamar Olímpio da Silva, pesquisador, profissional de Marketing, Pós-Graduado em Marketing Internacional pela The Hague University (Holanda). Possui Mestrado em Inovação de Negócios pela  Breda University  (Holanda) em parceria com a  USP – Universidade de São Paulo.  Atualmente é gerente de Marketing Online, responsável pelo gerenciamento de três sites de jogos online (www.ojogos.com.br, www.girlsgogames.com.br, www.ojogos.pt), cujo público alvo é de crianças e adolescentes do mercado brasileiro e português. 


Fonte: http://www.jornalmeioambiente.com/materia/6729/por-uma-cidadania-ambiental-efetiva-carmem-carril-itamar-olimpio-da-silva



 
 

terça-feira, 2 de julho de 2013

A sabedoria milenar dos alimentos


 

Por:  Suzana Camargo - 25/06/2013

          Fonte: Planeta Sustentável          
O manejo da terra sempre trouxe à humanidade um conhecimento profundo do habitat onde ela vive e também forneceu o alimento para a sua sobrevivência. Com a crescente migração do homem das zonas rurais para os centros urbanos, muito desse conhecimento se perdeu.Entretanto, em diversos lugares do mundo, ainda sobrevivem locais onde o conhecimento e as tradições agrícolas e pecuárias foram conservados por gerações e gerações de fazendeiros, pastores ou simples famílias de agricultores. Essas práticas garantiram a manutenção da diversidade da produção de alimentos no planeta. São variedades, por exemplo, de arroz, milho, batata, quinoa, tâmara ou ainda a criação de diferentes raças de bois, ovelhas, cabras e peixes.
Para proteger e dar suporte a estes sistemas agrícolas, em 2002, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) criou o conceito de Globally Important Agricultural Heritage Systems – GIAHS, ou na tradução para o português, Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial. No mundo todo, já são 25 GIAHS reconhecidos pela FAO, recebendo suporte técnico da entidade e recursos para cursos de capacitação, obtenção de certificados e selos de origem para seus produtos.
Com o objetivo de que o conceito de patrimônio agrícola se torne mais conhecido e divulgado internacionalmente, por encomenda da FAO, a jornalista brasileira e conselheira do Planeta Sustentável, Liana John, escreveu o livro Food & Wisdom – Sustaining our future by harvesting diversity, em parceria com Parviz Koohafkan, diretor da entidade. A primeira versão da publicação, em inglês e chinês, acaba de ser lançada em Ishikawa, no Japão.
No Brasil, há mais de 30 anos Liana tem uma renomada carreira nas áreas ambiental e de sustentabilidade. Trabalhou para os principais veículos de comunicação do país. Escreveu reportagens para as revistas Isto É, Veja, Agência Estado e foi editora da revista Terra da Gente.
Liana é uma daquelas pessoas que nunca teve dificuldade em descobrir a vocação. Lembra com carinho dos tempos e das frutas do sítio do avô. Na entrevista abaixo, ela fala sobre a carreira, os desafios de escrever sobre sustentabilidade e o lançamento do novo livro.
Quando começou o seu envolvimento com a questão ambiental?Acho que é uma influência de família mesmo. Meu avô materno, que era dinamarquês, tinha um sítio com vários animais onde eu passava todos os finais de semana quando criança. A gente andava muito a pé e a cavalo juntos. Ele sentava na varanda e sempre comentava como gostava do céu azul do Brasil. Na Dinamarca tudo é muito cinza, com muita neve. Todo domingo quando a gente voltava para casa levava o leite, os ovos e as verduras do sítio. Acho que a vontade de trabalhar com o meio ambiente nasceu nesta época.
E foi difícil começar a trabalhar com isso num tempo em que meio ambiente ainda não era prioridade?Quando eu estava na faculdade na década de 70, uma época de muita discussão política, já tinha vontade de trabalhar com meio ambiente. O pessoal achava isso uma coisa meio alienada, fora de propósito. Mais tarde, lá pelos anos 80, quando estava na Isto É, todas as pautas que eu propunha eram sempre de meio ambiente. E eu já achava que o assunto tinha que ter uma conexão maior com ciência e menor com ativismo político. Mas meio ambiente ainda era uma coisa marginal nas redações. Imagina a minha situação? Eu era uma repórter iniciante e aquilo que eu gostava de escrever era desprezado (risos). Quando a gente tinha reunião de pauta eu sempre me municiava com muitos argumentos para aprovar as pautas.
Quando o tema se tornou importante no Brasil?Trabalhei durante 15 anos na Agência Estado como editora de Meio Ambiente e Ciências. Tive um apoio inestimável do Rodrigo Mesquita, que era também presidente da SOS Mata Atlântica. Nós não trabalhávamos com furos de reportagens, mas escolhíamos temas que achávamos que deveriam ser discutidos pela sociedade. Havia uma discussão sobre o que era necessário ser colocado na mídia, que tipo de informação a sociedade precisava ter sobre o meio ambiente.
Ainda hoje conhecemos pouco da nossa biodiversidade?Sim. Embora o Brasil tenha uma das maiores biodiversidades do planeta, o brasileiro conhece muito mal esta diversidade. Conhecemos muito melhor o elefante e o rinoceronte da África do que a anta e o mão-pelada do Brasil. Enquanto estive editando a revista Terra da Gente, todas as nossas capas foram sobre os animais brasileiros, com algumas poucas exceções em que usamos a flora brasileira. É uma área que gosto muito de cobrir e continuou com a minha ida para o Planeta Sustentável (Liana John escreve o blog Biodiversa).
Como você tomou conhecimento sobre os GIAHS?Parviz Koohafkan, diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, é um amigo de nossa família há muitos anos. Ele é o criador do conceito dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial. Em 2005, quando esteve aqui no Brasil, comentei com Parviz sobre a ideia de escrever um livro sobre o assunto porque ainda havia um desconhecimento sobre os sistemas. Eu já tinha trabalhado com agricultura, meio ambiente e gosto muito de biodiversidade e os GIAHS fazem justamente essa conexão entre a diversidade na produção agrícola, na área entorno dela e as tradições locais.
Liana John fotografa arrozal na China. Acima, à esquerda, a capa do livro Wisdom & Food

Quando você começou a escrever o livro?Em 2009 apresentei um projeto de livro dirigido ao público leigo, cujo objetivo era apresentar um panorama dos sistemas existentes e dos potenciais. No ano seguinte, recebi um telefonema do Parviz me convidando para ir ao Fórum Mundial dos GIAHS na China. Aceitei o convite e na viagem à China já visitei dois GIAHS diferentes, bem distantes um do outro – geralmente são lugares bem distantes dos grandes centros. Em 2012, também conheci outros sistemas agrícolas no Peru e no Chile. Escrevi o livro em inglês e foi incluída na mesma edição uma versão em chinês. Agora estamos estudando novas versões em francês e espanhol e ainda uma em árabe para o continente africano e Oriente Médio.
E há planos para uma versão em português?Ainda não porque não existe um projeto de GIAHS no Brasil. Fiz um levantamento e vi que há uma produção muito interessante de pimenta indígena, a Baniwa, plantada no Alto Rio Negro. Ela tem um significado cultural para a comunidade da região e há mais de 39 variedades da espécie. Mas para se tornar um GIAHS, é necessário que o sistema seja apresentado para a FAO por alguma organização ligada aos produtores.
Qual é a importância de se divulgar a existência dos GIAHS?É uma maneira de dar valor às pessoas que trabalham nesses sistemas e garantir a conservação deles. Esses sistemas tradicionais são importantes para a segurança alimentar da humanidade. As diversas variedades produzidas garantem a produção mundial de nossos alimentos.

domingo, 26 de maio de 2013

Questão de identidade nacional


Ela é um símbolo do desenvolvimento econômico e industrial do país. Assim os brasileiros vêem a Petrobras, campeã do anuário Época NEGÓCIOS 100
por Darcio Oliveira
Quando os executivos da Petrobras querem medir a reputação da empresa no Brasil, a primeira providência é recorrer ao levantamento sísmico. Antes que alguém pergunte o que o estudo do subsolo nacional tem a ver com a imagem da estatal, cabe a explicação: o sísmico em questão é uma criativa sigla para Sistema de Monitoramento de Imagem Corporativa, pesquisa usada pela Petrobras para avaliar seu prestígio com investidores, fornecedores, clientes, empregados, imprensa e população em geral – “os públicos de interesse”, como classifica a empresa. Alguns dados do mais recente levantamento do Sísmico: entre os empregados, a Petrobras conta com uma imagem positiva, amparada por critérios diretamente relacionados a condições de trabalho, como estabilidade e plano de carreira. Os funcionários também dão grande importância à “responsabilidade social” e à “contribuição da estatal para o desenvolvimento do país”. Para investidores, é valorizada a “visão de futuro” da companhia e seu “grau de competitividade” – tanto no Brasil quanto no exterior. Pelo público, a Petrobras é considerada uma empresa capaz de oferecer “produtos e serviços de qualidade” e angariar respeito, confiança e admiração. Como se vê, a avaliação positiva está relacionada a aspectos objetivos, mas também a questões subjetivas, como os sentimentos que o público nutre pela empresa. Sentimentos que podem ser resumidos em duas palavras: identidade nacional. Eis o principal atributo da marca Petrobras, campeã do Anuário Época NEGÓCIOS 100.

“Desde os tempos da campanha ‘O Petróleo É Nosso’ a empresa se converteu em sinônimo do desenvolvimento industrial brasileiro”, afirma José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras. No livro A Alma da Marca Petrobras, a autora Carmem Carril, mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP, anota: “...a força da marca deriva não apenas dos números financeiros impressionantes mas também de seu valor simbólico, representando quase uma segunda bandeira do país...”. O verde-amarelo está no logotipo, assim como a sigla BR que, segundo Carmem, conferem à estatal uma aura de brasilidade conquistada por poucas marcas locais. “Quando o assunto é identidade nacional, só se encontra paralelo na Havaianas”, afirma Jaime Troiano, da Troiano Consultoria de Marca.

Para o público ouvido no anuário Época NEGÓCIOS 100, a Petrobras que vem à mente é quase uma extensão do que revelou o Sísmico. É exemplo de empresa preocupada com questões socioambientais, grande patrocinadora da cultura brasileira e detentora de produtos de qualidade e tecnologia de ponta. Potência econômica, também. A quinta maior empresa de energia do mundo, sétima na produção de óleo e gás, sexta em reservas provadas. A Petrobras opera em 27 países de quatro continentes. Seu faturamento em 2007 chegou a US$ 101 bilhões ou quase 8% do PIB nacional – o que a faz responsável por 13% dos impostos federais pagos ao governo. No primeiro semestre deste ano, as ações da empresa respondiam por 20% do volume de recursos movimentados na Bovespa. Quase 90% dos investimentos públicos feitos no Brasil em 2007 saíram dos cofres da estatal e, neste ano, ela vai aplicar R$ 40 bilhões em tecnologia e infra-estrutura – o que equivale à metade de tudo o que o BNDES pretende emprestar até dezembro de 2008. Um cartaz, espalhado pelos escritórios no Rio de Janeiro, deixa claro onde a companhia quer chegar: “Seremos um dos maiores conglomerados de energia do mundo. Atuaremos de forma integrada em Gás e Energia, Petroquímica, Novas Reservas, Biocombustíveis (biodiesel e etanol) e Distribuição”.

Tudo isso, aos olhos dos consumidores brasileiros, supera até mesmo os problemas que envolvem a companhia. A condição de estatal e as conseqüentes interferências políticas em sua gestão não são percebidas – ou pelo menos não incomodam – o cidadão comum. O que poderia incomodar, como vazamento de óleo, plataformas adernadas ou incêndios em refinarias acaba na conta dos “fatos isolados”, acidentes aos quais grandes corporações de petróleo estão sujeitas. Não é questão de minimizar os problemas, mas de maximizar as virtudes. Pelo menos é esta percepção que salta dos resultados da pesquisa feita pela Troiano Consultoria de Marca para este anuário. “A marca conquistou uma certa blindagem ao longo dos anos”, diz Jaime Troiano.

Muito dessa condição se deve às conquistas tecnológicas da companhia, principalmente na última década. O fim do monopólio da estatal sobre a exploração e produção de petróleo, em 1997, serviu – ao contrário do que se poderia imaginar – de anabolizante para seu crescimento. Desde então, ela triplicou a produção e transformou-se em líder mundial em exploração em águas profundas. Tupi, o reservatório descoberto a mais de 5 mil metros de profundidade numa espessa camada salina na bacia de Santos, em novembro passado, transformou-se no maior troféu da estatal em seus 55 anos de história. A notícia do novo campo ocupou as manchetes: sozinho, ele teria reservas estimadas entre 5 e 8 bilhões de barris de petróleo e gás natural – o suficiente para dobrar a produção da Petrobras, hoje de 2,3 milhões de barris diários. Isso sem contar o que mais poderá ser “garimpado” nas águas da costa sudeste do Brasil, região que se estende do Espírito Santo a Santa Catarina. A análise mais conservadora aponta para 40 bilhões de barris de óleo. É muito petróleo, capaz de mudar a economia brasileira e aumentar exponencialmente o peso político do país no cenário mundial.
Tupi ainda estava quente na mente dos brasileiros quando a Petrobras voltou às manchetes, anunciando a descoberta de uma imensa reserva de gás natural na mesma região. Batizado de Júpiter, o campo irá, segundo Gabrielli, contribuir para a auto-suficiência nacional neste insumo. O desafio agora é viabilizar a produção no pré-sal. Serão muitos os obstáculos tecnológicos e logísticos a serem vencidos para extrair óleo a mais de 5 mil metros de profundidade. A viagem submarina também exigirá uma quantia em dinheiro proporcional aos desafios. O custo total de exploração e produção de petróleo na área de pré-sal deve chegar, na estimativa mais otimista, aos US$ 630 bilhões, segundo cálculos do UBS Pactual. É quase metade do PIB brasileiro. A Petrobras informou que já está prospectando parceiros financeiros para a saga na bacia de Santos. A estimativa é de que os campos comecem a produzir petróleo em 2014 – se todas as barreiras forem vencidas, é claro.

O pré-sal rendeu enorme visibilidade e bons dividendos à marca Petrobras. Levantamento do Sísmico revela que, em 2007, a exposição na mídia conferiu à estatal um retorno de R$ 247,4 milhões em Valor Publicitário Equivalente (VPE). Em novembro do ano passado, época do anúncio de Tupi, o volume de reportagens teve alta de 52%. E somente de janeiro a junho de 2008, a Petrobras registrou R$ 248 milhões em VPE. Garotos-propagandas inesperados também aumentaram a intensidade dos holofotes sob a empresa. Quem poderia imaginar o presidente George W. Bush usando o capacete da Petrobras e posando para os fotógrafos? As imagens rodaram o mundo. A cena ocorreu durante recente visita do mandatário norte-americano ao Brasil. Bush quis conhecer in loco a empresa que descobriu Tupi e que, sobretudo, tem projetos promissores para o etanol, assunto de grande interesse do presidente dos Estados Unidos. “O mundo sabe que somos o único país com capacidade real de produzir biocombustível sem comprometer a alimentação”, afirma Gabrielli.

No ano passado, os investimentos da Petrobras em sua marca totalizaram R$ 613,9 milhões. O montante inclui, além da verba destinada a publicidade – ela é a segunda maior anunciante entre as empresas públicas, com R$ 160,6 milhões –, estratégias de comunicação internacional, apoio a eventos e feiras do setor de petróleo e patrocínios. Em 2007, a empresa aplicou R$ 205 milhões em projetos culturais, incluindo festivais de cinema, teatro, eventos literários, de música e de dança. “O apoio à cultura brasileira é uma das principais bandeiras da empresa, com alto índice de recall entre os consumidores”, afirma Eduardo Felberg, gerente de marca da Petrobras. O vínculo com o esporte também serve para dar polimento à marca. Duas ações se destacam neste campo: o patrocínio do Flamengo, clube de maior torcida do Brasil, e a parceria com a equipe Williams de Fórmula 1, de quem é fornecedora exclusiva de combustíveis e lubrificantes.
A Petrobras foi uma das primeiras empresas brasileiras a desenvolver um departamento de gestão de marca. São 20 pessoas dedicadas ao tema na matriz e pelo menos dois profissionais de marketing cuidando do mesmo assunto em cada uma das subsidiárias espalhadas pelo mundo. Os trabalhos envolvem o monitoramento periódico da imagem corporativa (com pesquisas como o Sísmico), estudos de valor de marca, posicionamento da grife em cada um dos segmentos de atuação da empresa, análise de co-branding (qual evento ou produto pode ser associado ao nome Petrobras), projetos de unificação de marca em praças internacionais e até mesmo o que Felberg define como defesa de integridade – uma ação conjunta com o departamento jurídico para identificar postos de gasolina piratas, que brotam da noite para o dia no Brasil, na Argentina e no Paraguai. “Geralmente, notificações extrajudiciais resolvem o problema. Se não der certo, partimos para os tribunais”, diz Felberg. Na Europa, já houve problemas de domínio na internet. Um gaiato havia registrado o nome BR e a empresa foi obrigada a levá-lo à Justiça. “O que nos ajuda é que temos vigilância global sobre nossas quatro marcas: Petrobras, BR, Podium e Lubrax. Contratamos empresas internacionais de monitoramento que têm acesso aos institutos de registro de patentes em todo o mundo”, diz Felberg. Para Gabrielli, a marca Petrobras é hoje um dos maiores cartões de visita do país. “Temos uma imagem de eficiência administrativa, de responsabilidade social e, sobretudo, de inovação e tecnologia de ponta. É um rico patrimônio que deve ser preservado a qualquer custo.” 

Se hoje a marca Petrobras é vinculada à inovação e tecnologia de ponta, ela deve muito dessa percepção ao Cenpes. O Centro de Pesquisas e Desenvolvimento, localizado numa área de 122 mil metros quadrados na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, é considerado o maior instituto de pesquisa aplicada da América Latina. Desenvolve projetos em todas as áreas de atuação da Petrobras – incluindo exploração e produção de petróleo e gás, transporte de óleo, gás e derivados, refino, petroquímica e biocombustíveis. Além disso, a companhia mantém parceria com 70 instituições nacionais, que auxiliam no desenvolvimento de novas tecnologias. Uma delas: a produção de bioóleo por processo termoquímico. Trata-se da criação de um novo combustível que utiliza como insumo alguns resíduos de produtos agrícolas, entre os quais palha, serragem de madeira e bagaço da cana-de-açúcar. 

A preocupação com o desenvolvimento de combustíveis alternativos é fruto de uma agenda ecológica e de uma constatação geológica: a de que um dia o petróleo será substituído por fontes limpas e renováveis. Ainda que ninguém saiba ao certo a data de validade do óleo, há quase uma exigência moral de se buscar desde já opções menos ou nada poluentes. No início de março, o conselho de administração da Petrobras aprovou a criação de uma subsidiária da companhia para conduzir exclusivamente as atividades de biocombustíveis. A nova empresa absorverá a produção de etanol, a aquisição de insumos e o processamento de biodiesel, além dos investimentos em tecnologias verdes. “Ecoeficiência é parte do posicionamento estratégico da companhia”, afirma Felberg. Segundo ele, a Petrobras adotou várias práticas para minimizar o impacto da poluição ambiental. Isto inclui reaproveitamento de água, diminuição do uso de recursos naturais e geração própria de energia. “No passado, investimos R$ 61 milhões apenas em iniciativas voltadas para o uso eficiente de energia”, afirma. Com todas essas ações, a estatal espera evitar a emissão de 21,3 milhões de toneladas de CO2 até 2012.

 
Neste ano, a Petrobras foi apontada pela empresa espanhola de pesquisa Management & Excellence (M&E) como a companhia de petróleo mais sustentável do mundo. A amostra levou em conta 387 indicadores internacionais, entre os quais a queda na emissão de poluentes e em vazamentos de óleo, menor consumo de energia e sistema transparente de atendimento a fornecedores. Os critérios do ranking são baseados em padrões internacionais, como os da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto Global da ONU, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a presença no índice Dow Jones de Sustentabilidade e a apresentação de Balanço Social e Ambiental, segundo as orientações do Global Reporting Initiative (GRI).

Mas a despeito dos prêmios internacionais, a Petrobras ainda tem uma série de questões a resolver. Recentemente, no Equador, a empresa enfrentou problemas com atividades de exploração e produção em reserva indígena. Felberg diz que foi uma crise circunstancial e que a “alta reputação” da empresa contornou o assunto. No final de setembro, no Brasil, houve uma situação que nem a alta reputação pôde contornar. Um incêndio ocorrido na Estação de Tratamento de Óleo de Furado, localizada no município de São Miguel dos Campos, em Alagoas, matou quatro pessoas. Em nota oficial, a Petrobras diz que os familiares das vítimas estão sendo amparados. O acidente foi provocado por uma explosão numa tubulação de gás natural.

Outro problema envolvendo a Petrobras diz respeito à quantidade de enxofre no diesel produzido pela empresa. É considerada alta e extremamente danosa à saúde. “Estudos mostram que o enxofre expele uma partícula cancerígena e provoca problemas no sistema respiratório”, afirma Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo. “Cerca de 3 mil pessoas morrem por ano, somente em São Paulo, por causa da baixa qualidade do diesel.” Hoje, no Brasil, o nível de enxofre no diesel é de 500 partes por milhão (ppm) nas áreas metropolitanas e 2 mil ppm para as demais áreas. Na Europa, o índice é de 10 ppm e já existe um movimento em prol do “zero de enxofre”.

O curioso é que existe uma resolução de 2002 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que previa a redução do nível de enxofre no combustível para 50 ppm a partir de 2009. A Petrobras e as montadoras de veículos alegavam, até bem pouco tempo atrás, problemas técnicos e financeiros para cumprir a medida. No início de setembro, a jornalista Miriam Leitão, de O Globo, registrou em sua coluna: “...A Petrobras diz que é caro fazer um diesel mais limpo, mas o próprio presidente Lula já disse que a empresa vai refinar diesel premium para exportar. A indústria automobilística no Brasil alega dificuldades técnicas para adotar o que eles chamam de Euro 4, o motor que roda com esse combustível mais limpo. Mas, nos seus países de origem, essas empresas já utilizam tais motores...”. A grita surtiu efeito. No final do mesmo mês, Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, mandou avisar: a partir do dia 1º de janeiro de 2009, não sairão ônibus e caminhões das fábricas brasileiras sem o diesel limpo. O Ministério Público também entrou em cena para garantir o cumprimento do acordo. “Eu imaginava uma outra atitude da Petrobras. Uma empresa que se diz sustentável não espera mandado judicial para agir corretamente”, diz Grajew. O Movimento Nossa São Paulo afirma que se nada for feito a respeito do enxofre vai pedir a retirada da Petrobras do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa. Em nota, o departamento de comunicação da Petrobras disse que a empresa “reafirma seu compromisso de fornecer a partir de 2009 o diesel 50 ppm e que o produto já está disponível para testes pela indústria automotiva”. Que seja assim. Para o bem de sua marca.